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Economia brasileira pós-pandemia: quais os caminhos?

  • IMPRENSA
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  • MAI 2020
  • /
  • Noticias 221

 

por Jefferson S. Fraga e Helder Lara Ferreira Filho



O problema reside não nas ideias novas, mas nas antigas que se ramificam em nossa mente, admitia Keynes ao chegar com sua teoria revolucionária na década de 1930. Esta declaração é relevante para os efeitos da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Diversos agentes econômicos alegam não ser possível alterar o teto de gastos, no entanto, esta é uma afirmação frágil e sem embasamento econômico ou técnico.  

Há tempos a economia brasileira vem na contramão da economia mundial, com uma taxa de crescimento reduzida (inclusive comparando-se com o próprio Brasil, em que teve uma expansão média de cerca de 2,8% entre 1980 e 2014; mas, também, sob a ótica internacional, em que os Estados Unidos, por exemplo, completaram, recentemente, 11 anos de crescimento ininterrupto). A partir da recessão de 2015 e 2016, a economia brasileira se recupera de forma excessivamente lenta; além disso, antes mesmo da pandemia do novo coronavírus, apresentava uma enorme capacidade ociosa e vinha em desaceleração – com base nos dados dos últimos 12 meses do IBC-Br. Havia, em janeiro de 2020, aproximadamente 11,5 milhões de desempregados (dados do IBGE) e a utilização média da capacidade instalada na indústria de transformação não chegava a 70%.

Com as medidas de isolamento social, essa capacidade ociosa dos fatores de produção se elevará substancialmente. Estimativas recentes do FMI apontam para queda da atividade econômica ao redor de 5,5%, com a taxa de desemprego podendo crescer ainda mais. Esse cenário eleva a incerteza – não o risco – sobre a economia brasileira a níveis sem precedentes, a qual prejudica a evolução do consumo e do investimento, paralisando a economia.

Aventava-se que as reformas teriam efeito no curto prazo, a exemplo da previdência. O argumento era de que as reformas trariam confiança, e a confiança originaria investimento (privado), logo, a economia reagiria. As reformas são de extrema importância para a economia brasileira, no entanto, não serão elas que soltarão as amarras do crescimento no curto prazo. O fundamento econômico que produz a negação a estímulos de curto prazo em favor de reformas é a ideia de contração fiscal expansionista.

Grosso modo, o argumento é que se o governo promover austeridade, a confiança seria retomada, com a confiança elevar-se-ia o investimento e, portanto, o crescimento econômico. A tese da contração fiscal expansionista nunca foi comprovada de forma definitiva e empiricamente ela não é verificada na grande maioria dos casos – mesmo levando-se em conta que seja difícil tratar causalidade.

Durante os anos 1990, os países que tentaram aplicar essa tese não obtiveram bons resultados, sendo que, pode-se afirmar, a austeridade, em geral, gera contração econômica. Logo, e considerando a lenta expansão econômica entre 2017-2019 (cerca de 1% a.a.), verifica-se que a estratégia econômica tem estado equivocada. Vale frisar, o Brasil necessita de diversas reformas, talvez a mais relevante a tributária, tornando o regime de tributação mais simples e mais progressivo, entretanto, isso não invalida a necessidade de uma agenda de curto prazo para a efetiva retomada do crescimento econômico.      
O único caminho para acelerar a economia brasileira no curto prazo, no cenário pós-pandemia, ainda mais levando em consideração a retração do comércio global (e, pois, da possibilidade de expansão das exportações brasileiras) é lançar mão de medidas macroeconômicas contracíclicas. No lado monetário, isto já está ocorrendo, uma vez que as taxas de juros estão baixas, mas, apenas isso não será suficiente; será necessário um auxílio da política fiscal. O problema é que há certa resistência para tal, uma vez que o governo brasileiro não teria muito espaço para fazer política fiscal contracíclica. Voltaremos nessa questão mais à frente, mas, em resumo, nossa proposta é que o país aja principalmente na área de investimento público, sobretudo em infraestrutura.   
 
O investimento público brasileiro desabou e é uma área essencial para reativar a economia. O investimento em infraestrutura, por exemplo, possui grandes multiplicadores (notadamente em momentos em que há hiato do produto, justamente o que tem passado o Brasil), pois movimenta muitos setores como o da construção civil que emprega bastante mão de obra e, de certa forma, gera sustentação ao mercado de trabalho. Além disso, o investimento público em infraestrutura é redutor de incerteza e coordenador de expectativas privadas, já que muitos destes investimentos necessitam de grandes aportes financeiros e longos prazos de maturação, o que afasta o setor privado.  

Dessa forma, a literatura econômica considera os investimentos públicos em infraestrutura, em geral, complementares aos investimentos privados, estimulando a confiança dos empresários e, pois, sua decisão de investimento.  Vale citar pelo menos dois canais de transmissão deste investimento para o investimento privado: primeiro, investimento em infraestrutura reduz custos e aumenta a produtividade dos setores produtivos da economia, aumentando as expectativas de lucro do setor privado; segundo, por aumentar a renda agregada e ativar o multiplicador dos gastos, elevando a demanda agregada da economia.

Um exemplo é o trabalho de Ferreira e Miliagros (1998), o qual sugeriu que, para um aumento de 1% no capital de infraestrutura, os aumentos de produtividade variam de 0,482% a 0,49%, portanto, concluindo que o desempenho insatisfatório da produtividade observada na economia brasileira após a década de 1980 seria explicada pela redução dos investimentos em infraestrutura ocorrida no período. Dito isto, o investimento público em infraestrutura em parceria com o setor privado devem ser implementados.

Além das políticas contracíclicas, vale observar que nesse período de pandemia e após este período o país se encontrará com fortes fragilidades, com uma grande recessão, uma taxa de desemprego muito alta e um mercado de trabalho extremamente fragilizado dada a alta composição de informalidade, com poucos benefícios e rede de sustentação econômica, uma grande população de vulneráveis, com um elevado grau de desigualdade. Nesse contexto, dezenas de milhões de pessoas necessitarão ainda mais do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual não conseguirá absorver toda essa demanda e deve ser fortalecido. Ainda, é possível que seja necessário estender o programa de renda mínima para além dos três meses propostos, a depender da velocidade da recuperação. É uma maneira evitar a exclusão das pessoas à economia, com efeitos deletérios para as empresas, particularmente as de pequeno porte.

Não poderíamos deixar de lado a educação, pois o Brasil possui uma mão de obra pouco qualificada, e a qualificação é extremamente importante para a produtividade do país a médio e longo prazos. Na atualidade, a discussão sobre educação parece ter ficado mais ideológica, e muitas vezes temas importantes relacionados às pesquisas, às universidades públicas e aos financiamentos necessários são minimizados. Isso afasta ainda mais o país da resolução dos problemas econômicos.

Vale dizer que a universidade pública possui uma complexidade maior do que apenas uma instituição de ensino, sendo que ela produz novos conhecimentos, técnicas e tecnologias através da pesquisa e, além de tudo, por meio da extensão, parte desse conhecimento chega à sociedade na forma de programas, projetos e ações que melhoram o desempenho de firmas e a vida de muitas pessoas.

Ao falar das universidades públicas, cabe aqui um agradecimento, por sequenciar os genes desse novo vírus e sua origem, abrindo caminho para testes, remédios e vacinas, o que vem sendo feito continuamente nas universidades, no empenho para a produção de álcool gel, máscaras ou EPIs para os profissionais da saúde, no desenvolvimento de ventiladores pulmonares mecânicos, “respiradores” mais simples e mais baratos. Também pelo desenvolvimento de rede de assessoria empresarial para orientar pequenas e médias empresas, startup vinculada à universidade e auxiliando comerciantes para trabalharem via delivery, aos hospitais universitários que sempre estarão na linha de frente no combate a doenças. Portanto, as universidades públicas são um dos principais agentes promotores da ciência e da tecnologia em um contínuo esforço pelo maior bem estar social. 

Diante desse contexto apresentado, sem as medidas corretas e necessárias, o Brasil pode ter dificuldade em apresentar uma recuperação em “V”, ou seja, pode passar pelo que tem ocorrido desde 2017: uma recuperação lenta e insuficiente diante dos desafios proporcionados por uma taxa de desemprego ainda mais elevada do que os patamares atuais. Mas quais seriam os obstáculos para essas medidas tão prementes para a aceleração da recuperação da economia interna?  

O mais óbvio deles é o teto de gastos (PEC 241/55) da forma em que foi apresentado, com crescimento real zero das despesas por 10 anos e sem separar os investimentos em infraestrutura dos gastos correntes. Logo, o teto de gastos precisa ser flexibilizado, não para gastar de qualquer forma, mas para ser possível observar as necessidades, a qualidade do gasto e poder dar um impulso autônomo na economia nacional – como dito, por meio de investimentos, especialmente em infraestrutura.

A relação dívida/PIB está em um patamar elevado, no entanto, esta proporção será incrementada em todo o mundo, não se alterando significativamente a posição relativa de cada país. Dado o grande hiato do produto, a reforma da previdência e a reforma trabalhista, mesmo com uma baixa taxa de juros, não haverá pressão inflacionária no curto prazo, mesmo com a desvalorização cambial. 

Vale lembrar que os argumentos de insustentabilidade da dívida pública geralmente tem como referência o exercício de Reinhart e Rogoff (2010), o qual sugeriu que uma relação dívida/PIB superior a 90% impactaria negativamente no crescimento de longo prazo. Entretanto, este estudo foi rejeitado empiricamente por Herndon, Ash e Pollin (2014), ou seja, não há um número ótimo consensual para a dívida pública a partir do qual se tornaria insustentável e prejudicial ao crescimento econômico.

O trabalho de Domar (1944), por exemplo, demonstrou, há mais tempo, que a trajetória da dívida/PIB dependia da diferença entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento do PIB e do resultado entre as receitas e despesas do governo, ou seja, do superávit primário. Desse modo, se a taxa de crescimento do PIB for maior que a taxa real de juros, a proporção dívida/PIB poderá ser reduzida, mesmo em períodos em que o gasto supere as receitas. Portanto, o espaço fiscal para uma política macroeconômica contracíclica poderá vir de uma queda e estabilidade da taxa real de juros em um nível que garanta as condições de Domar – e, mais relevante, da retomada do crescimento. Nesse quadro, como indicado por Rowthorn (2019) ou por Blanchard (2019), se a taxa de juros de referência para a dívida pública ficar em um patamar abaixo de um valor específico, os gastos públicos realizados ao longo da recessão poderão ser financiados com o aumento da arrecadação tributária derivada do crescimento do PIB após a política fiscal. 

Uma medida complementar seria a redução da taxa Selic para algo próximo de 1% a.a e estabelecer controles a saída de capitais, por apenas determinado período, evitando pressão cambial e dos preços, até que o hiato do produto se normalize. No cenário pós-pandemia, é pouco provável que as economias mundiais e a brasileira mudem a trajetória expansionista da política monetária por muito tempo. Além disso, parte do déficit nominal poderia ser financiado por emissão de moeda uma vez que, como já destacado, a elevada capacidade ociosa da economia e a incerteza associada à expectativa de recessão manterão o país distante da aceleração da inflação.

Esse debate em torno de medidas macroeconômicas contracíclicas não impede o governo de continuar buscando as reformas de longo prazo que apontem para a sustentabilidade fiscal. O exemplo mais óbvio é do sistema tributário brasileiro, o qual necessita mais do que uma simplificação, pois temos um sistema que cobra mais de quem pode menos. Pobres e classe média pagam muito mais impostos que os mais ricos, proporcionalmente. É necessária uma reforma tributária que tenha como foco essas distorções, em favor de um sistema mais progressivo, que cobre mais tributos dos que podem pagar mais.

De fato, a carga tributária brasileira recai mais sobre o consumo, e menos sobre a renda e o patrimônio, ao contrário do que ocorre nos países mais desenvolvidos. Nossa carga tributária não é baixa para um país em desenvolvimento, mas, há espaço para se tributar as faixas mais altas de renda. Um exemplo seria o regime simplificado de imposto de renda, o qual permite uma pessoa ganhar quase R$ 5 milhões por ano e pagar em torno de 4% de imposto de renda, dependendo do setor.

Portanto, acreditamos que essas medidas possam retomar o crescimento da economia brasileira, sem pressões sobre a estabilidade da economia, com um novo ciclo de consumo e investimentos. No segundo momento, após reformas, com um câmbio competitivo, poderíamos estimular as exportações de bens complexos, com efeitos positivos para o nosso crescimento de longo prazo. Por fim, o pensamento macroeconômico moderno é de que o Estado necessita focar nas tensões sociais, um Estado de tamanho ótimo, não nas antigas ideias de Estado mínimo.



* Jefferson Souza Fraga é professor do Departamento de Economia PUC-Minas. Doutor em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG)

** Helder Lara Ferreira Filho é mestre em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutorando em economia pela Universidade de Brasília (UnB)




Fonte: Brasil Debate

 

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